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sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Design de capa, diagramação e textos livro "Gostosuras de Mãe"

Capa, diagramação, texto para orelhas, título e outros servços editoriais para coletânea em homenagem ao Dia das mães. 








Texto para orelhas

O coração da casa 

Rústica na maioria dos lares ou ornamentada e reluzente em outros poucos, a mesa de madeira maciça tinha que ser forte o suficiente para aguentar o peso e o movimento do fazer de massas, do moedor de carnes atarraxado em um dos cantos e de tanta coisa grande que ia para outro lugar, mas primeiro passava pela mesa, como sacos de arroz, açúcar, farinha, café.

Ocupava um destacado lugar na cozinha. Idealmente grande para abrigar a família e convidados ao seu redor, robusta para abrigar embaixo dela as pessoas à beira de perigos causados por raios e qualquer outro desastre que poderia pôr em risco as pessoas e os animais da casa.

Um porto seguro. O abrigo central da vida e dos costumes da família.  “Naquela mesa ele juntava a gente e dizia contente o que fez de manhã...”, verso da canção de Sérgio Bittencourt, diz bem sobre esse hábito de reunir à mesa familiares e amigos.  Hoje ainda esse costume bem brasileiro, herança cultural deixada por nossos antepassados, põe à mesa as delícias dos afetos e desafetos familiares. Entre uma garfada e outra das delícias preparadas pelas mamas, descendo suave com goles de vinho ou água, ou enroscando feio no engolir seco das broncas dos pais, as lições da vida foram aprendidas.

Essa cozinha-escola moldou nosso ser e estar nos lugares do mundo.  Muito foi incorporado apenas através da observação, desatenta e descompromissada na época da nossa inocência. Vemos tudo isso e mais bem percebido e delineado na confissão voluntária e emocionada dos autores desta coletânea. Verdadeiro, tocante. Quem diz a verdade é amigo, e amigo convidamos à mesa da cozinha. Vale uma celebração.

Hilda Gullar, escritora






segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Capa, orelhas e diagramação de livro "Memórias do coração"

 


Tecituras em ouro, aço e cetim 

Estamos acostumados a máscaras. Elas nos protegem. Tanto do que vemos quanto do que não queremos ver. Será que suportaríamos o impacto de ver transparecer em cada fronte a essência de um ser que se mostra sem vieses e temores? Evitamos a verdade desnuda. Temos medo que ela derrube nossos simulacros e exponha nossas vulnerabilidades em flashes gigantográficos.

Para mergulhar nas memórias de Lala é preciso uma senhora coragem.  Ela subverte nossa incredulidade diante de verdades insuspeitas. 

Sob lua e sol cotidianos, a imagem que mais transparece é a de mulher empoderada, de vida bem vivida.  Portanto, não se poderia imaginá-la se não como uma pessoa forte. Mas a Lala que se deixa ver por inteiro nesse livro vai além da luminescência das transparências que nos embriagam com luzes ondulantes. É um mergulho direto e reto.

Ela vai fundo e traz à tona os meandros que teceram Lala, em fios de aço, ouro, tiras de seda e laços de cetim.  Saltam à flor de suas memórias as veias pulsantes e os compassos, ora harmoniosos, ora dissonantes, que moldaram seu coração às oscilações de uma vida intensa

A capacidade de aceitar e respeitar as pessoas talvez seja a o segredo do amor, que Lala nos revela. Foram muitas as esquinas que ela virou, sem medo de olhar para trás e seguir adiante, salpicando cada canto do mundo e da vida com o brilho de um coração que não esquece, mas se permite experimentar e surpreender.

Das incursões do nirvana de lugares esplendorosos aos sepulcros das dores mais lancinantes, o que Lala nos traz a beber é o néctar cristalino de sua mais pura essência.

 

Hilda Gullar, escritora


Capa e orelhas de livro "Cratera antes da queda", de Roselis Batistar

 



Turbulências e ancoragens

Mergulhar fundo ou nadar na superfície? Se imersos totalmente, o mundo estranho nos abraça com sua quietude, o perigo se dilui com o tempo dormente e podemos esquecer que não há onde buscar fôlego extra. Flutuando acima da densa profundidade nos debatemos entre os rasgos de luz da superfície a cada esforço para não nos perdemos numa imensidão assustadora, porque desconhecida. E pode faltar ar.

Respire a plenos pulmões porque o mergulho é longo e profundo. Os poemas de Roselis nos conduzem às entranhas das suas memórias de um mundo perfeito, em que prevalecem o bom, o justo, o fraterno, o amor paterno-filial abundante. Na imersão há um distanciamento das dores como forma de proteção, mas as figuras que se mostram são fortes o bastante para permitirem que na nossa intrusão às suas reminiscências vislumbremos quadros instantâneos fora do roteiro escrito pela alma carregada de amor ao amor.

O leitor viajante elevado à flor d´ água pode então admirar a paisagem pelas janelas abertas pela capitã transparente. Enlevado pela visita presencial dos verdes aromas e azuis ares atravessa a vidraça e percebe que já se faz acompanhar de esferas, ciclos, ressonâncias do eu justo e ordenado da autora projetados agora na sua própria história.

Ela balança os fios dourados de sua sensibilidade de ver e provar as fronteiras entre o mundo herdado do amor familiar e o caos que acena do outro lado da cerca. O enigma do desconhecido, do além de nós, do estrangeiro no qual executamos sem opção o vaticínio da vida, que nos assombra com sua desordem, é visitado pela autora à sua maneira heroica e estoica de tratar de feridas abertas. Mesmo diante do derramar derradeiro de magmas seu figurar poético cutuca paradoxos, ora com balsâmica sensibilidade, ora instigando a fera que ronda. Com ironia fina desafia dogmas e dilacera corações duros de bestas seculares.

Estamos todos nos versos desse poetizar engajado com nossas verdades. Estamos todos emparedados pelas ambiguidades que nos confundem e pela entropia natural que puxa a corda para outro lado.  Como na inexorável chaga que abre o amor não inocente, a paixão de olhos abertos, a mesclagem de corpos e almas alertas, na entrega sem senões, que antecipa nossa visita à cratera dantes navegada. As perdas, as penosas e incontornáveis perdas. Os ocos frios deixados pelas dores escaldantes que nos sustentarão como pneumáticos em nova queda das escarpas das montanhas de cumes invisíveis que erguemos ao longo dos voos de nossa resistência.

Talvez sejam ensaios para a liberdade. De repente surgem asas durante uma das quedas e conseguimos uma visão panorâmica do distanciamento entre os sustentáculos da dicotomia, talvez um vácuo esteja ali, um portal, que num instante a mais como brinde nos permita a liberdade de ser. A autora encontrou um remanso em meio à turbulência. Magnânima, ela nos indica ancoragens distantes do desassossego das margens.

 

Hilda Gullar, escritora


Capa, orelhas, título e copywriting para o "T21: no relicário com dragões"

 


Texto para as orelhas

Da barriga, coração

 Ah, esse mundo de janelas simetricamente arranjadas, sobrepostas de maneira que não nos permite ver além do reflexo desbotado de vidas passadiças e rastros de fatos mal contados! É coerente, didático e indolor nos agarrarmos aos pactos prévios para nos sentirmos confortáveis dentro da roupagem cinza dos preconceitos.  Apertadores de botões em série e ouvintes condicionados ao sonoro bip do despertar para mais um dia normal, pasteurizamos a melodia dos ventos e engaiolamos pássaros em nossas gargantas. Mas basta esquecermos um dia da pílula alucinógena, que as asas põem abaixo a condição cativa e espeta os meandros da glote. O corte transversal é feito em profundidade entre o sabido e o inaudito, para fazer a realidade que não mora longe nos visitar com a fatura vencida da cama macia em que dormitamos. É mais ou menos esse o efeito dos relatos desse livro de poética galopante, dispensada de rimas e encontros cuidadosos de imagens e letras.  Levamos um susto.  O que sei eu do amor?

O amor está arraigado em nossas expectativas de felicidade como uma condição inerente. É amalgamado à dependência da aceitação alheia dos recursos que temos como humanos. Algumas idiossincrasias são toleráveis, se estivermos situados num patamar em que o ar rarefeito passa a ser admirado e cobiçado. Alguns recebem alegres pechas de artista, criativo, doidinho, especial. É diametralmente oposto à premiação social com o bilhete da felicidade quando a evidência da síndrome de Down se escancara nos gestos comedidos e olhares oblíquos das pessoas que têm o primeiro contato com o recém-nascido. Não tem como disfarçar. Não tem como dourar a pílula ofertada pela esfinge. Como sugere o título do livro, os pais forçosamente entram numa loja de cristais finos forjados com fogo de dragão. 

O medo inicial dos pais, ao saberem da condição do filho que acabaram de trazer ao mundo, deve-se à ciência de toda a carga de sentimentos e julgamentos da qual serão alvo.  É muito difícil para todos nós, humanos pais ou não, aceitar um outro deficiente. É uma sentença. Se é doente, pode ter cura. Deficiência T21, não. Aí, vemos aqui, surge a força draconiana do amor e inicia-se um vôo vertiginoso e íngreme ao céu e inferno das limitações. Esses pais se transformam em seres super-humanos. Não se pode dizer se o amor desmedido dos pais molda a delicadeza, a maneira afetuosa e doce dos Down, observável na maioria dos casos. Eles são extremamente amorosos porque muito amados, ou muito amados porque amorosos?

Não, não se sabe ainda por que a síndrome acontece. O único remédio é o amor, brotado de uma fonte generosa, mas só visível e acessada por pessoas capazes de produzir felicidade fora das convenções. O exercício ininterrupto do doar-se, do amar sem descanso, aniquila fraquezas. E assim esses pais são jorges abrigam-se seguros na barriga do dragão.

Hilda Gullar, escritora


Copywriting para apresentação do projeto a autores

Delicadeza e força dos afetos no mundo Down  

Do “Por que comigo” ao “Por que não comigo?” há todo um rosário de lágrimas desfiado pelo inconformismo, pela rejeição e vitimização. É doloroso para os pais receberem a notícia de que geraram um filho com síndrome de Down. Na maioria das vezes não estão preparados para revirarem suas vidas. Há o normal e sacrossanto medo do desconhecido. O que irão enfrentar com um filho Down? O preconceito, filho dos equívocos e da obsolescência de informações, não os deixa ver que terão um filho, para amar e cuidar, que é um indivíduo e não uma réplica de um ser seriado. O filho terá suas próprias potencialidades, gostos, talentos, personalidade e temperamento. O bebê deverá ser visto como o filho. A síndrome de Down é apenas uma parte de quem ele é.

A criança será fruto do meio que lhes propiciarem, terá sua personalidade, seus diferenciais, seus talentos, potenciais, temperamento, sentimentos, sonhos e tudo mais que a tornará uma pessoa única. A T-21 é parte dela, e não ela.  Os pais que abraçam o desafio embarcarão num ciclone de aprendizagem e aplicação dos saberes sem intervalo.  Conhecerão mais profundamente as pessoas. Estarão capacitados para distinguir com perfeição um olhar de desdém de um de compaixão, de um sorriso complacente de um convite para uma relação sem barreiras. Terão que se convencer de que não são culpados, que não fizeram nada errado. Com o tempo, desenvolverão a capacidade de demonstrar que estão felizes com seu filho, enfim e cada vez mais.

Resumida assim essa vivência, parece que o final feliz é rápido e não falha. Nem todos saem dessas fases sem grandes traumas. Cada um é cada um, inclusive indivíduos com T-21, que não é uma doença e, portanto, não tem cura. É uma longa jornada em que o aprendizado constante faz dos pais, familiares, professores e amigos pessoas que desenvolvem capacidades diferenciadas, necessárias para conviver, cuidar e manter o amor acima de tudo.

Queremos ouvir suas histórias, seus tropeços, seus acertos, sua visão desse mundo moldado por um amor exigente.  Suas descobertas farão um bem enorme para as pessoas que podem um dia se surpreenderem nesse mundo tão especial e desconhecido na sua essência. Porque veem-se os movimentos incessantes da luta, mas o que vai dentro dos corações e mentes dos pais, da sua batalha para vencer a luta com seus dragões internos, não transparece. Supomos que os dentes são muitos e o sangue farto. Mas as essências das flores do caminho são daquelas de se guardar nos mais raros frascos.


domingo, 13 de março de 2022

Produção editorial - redação de título e orelhas de livro, layout de capa


Livro Nós no pós-pandemia, de Zeca Pontes - oganizador da coletânea



Inércia e rodopios

Tem que ter muita vontade para levantar-se da cama.  É o primeiro grande desafio do dia. Saltar dali para onde e para quê?  E se eu me esquecesse de mim e ficasse aqui inerte, até desmanchar? Caramba, teria dor, fedor, fome, e eu gosto de comer. 

Medo, desprazer, vontades, deleite começam a mostrar que a máquina quer se manter operante.  Que impulso ou desejo é esse de dar continuidade a um ser e estar de projeto mecanicamente azeitado que se cola ao arbítrio consciente de desfalecer, de inércia, de ponto zero?  Recaímos no mesmo grande e repetitivo paradoxo diário e eterno até enquanto dure o viver versus morrer, a permanência versus transformação.  Pode ser que seja a constante tensão que mantém a vida, disseram autores por aqui, a “força dos contrários”.

Enquanto sobre o fio da navalha, dançando tal qual fosse a pista uma borda de cristal, emito sons translúcidos carregando o fardo de um corpo que não quer ir mas vai, porque não tem como não ir, e aí alguém morreu minutos atrás e nem teve tempo de pensar nisso tudo e nada mais. 

E se àquela pergunta como? de quê? a resposta obviamente esperada frustra a regra vigente, uma chave é virada dentro das nossas inauditas certezas aprendidas a penas. Não é proibida morte extra covid? 

É tanta barbaridade no lado debaixo do Equador, que Morin, Freud e Lacan revisitariam suas teorias sobre essa conjunção de pele músculos cabelos nervos cérebro dentes coração. 

Então, menina, vá esticando os cambitos para fora do leito onírico porque tudo tem que ser revisto. A quietude é quimera, o medo constante, a lembrança perene de que não sou uma árvore. Num tempo sem espaço posso mudar de ideia e arcar com as consequências da romântica visita das “forças negativas”.

Dado o que beber a pernilongos, açoitada pelo preço da conta do ar-condicionado, inspirada pela madrinha H esfrego dmae na cara e óculos luvas galochas depois estou pronta para saltos desparafuseantes de bailarina.

Hilda Gullar - Escritora

Redação - texto das orelhas do livro de Márcia Zevoli

 



Das tripas, libertação

O avesso das coisas se apresenta mal feito, mal acabado, terminado às pressas. Dele não esperamos outra situação, o que vemos não nos surpreende.  Não demoramos nosso olhar sobre ele.  Buscamos a rutilância do anverso, da superfície colorida, lisa e simétrica das perfeições pactuadas. Aos meios orgânicos e aos imateriais se dedicam certos tipos de pessoas que nos parecem de outro mundo, com traços de semideuses, tais como médicos, religiosos, psicólogos, filósofos.  O interior dos seres nos assusta, como tudo que desconhecemos mas reconhecemos os impactos que transpassam a fina fronteira e transmutam o conforto da camada bidimensional.

Há situações que nos obrigam a mergulhar no emaranhado das entranhas estranhas aos pares harmônicos que a face de contato dos sentidos nos apresenta. Por dentro percebemos perturbadora assimetria no isolamento de coisas e não-coisas que só farão sentido quando aprendermos a encontrar conexões naturais. Difícil, como amar.  Foi tanto o amor ao amor, que Marcia negligenciou o amor-próprio, a âncora da autoestima necessária para estar no mundo para si e para os outros.

Mais fácil é engolir pílulas estáticas com seu design inofensivo.  Mas a autora é de uma generosidade sem tamanho ao desnovelar a jornada de autoconhecimento que a levou a um estágio de liberdade há muito sufocada nos meandros de seu ser. Dessa sua viagem de resgate e enlevo ela nos deixa visíveis as pontas que assinalam os caminhos. Uma doação que só se desprende naturalmente de pessoas

que conseguem flutuar sob o amparo de leves asas. No seu mergulho, ela fez das tripas libertação.


Hilda Gullar, escritora

sábado, 12 de março de 2022

Redação e design editorial - capa e orelhas de Banalidade fecundas

 


Uma capa de livro que resultou da troca entre autor e designer. Fazer a capa e o texto para as orelhas do livro de  Maria Antonia de Oliveira foi um desafio.  Demorou para  chegarmos ao resultado final.  Ela conhece muito de tudo, texto, design.  Fiz a proposta da imagem da capa absolutamente encantada pela delicadeza e profundidade dos poemas de Maria Antonia.  Nutrição para a alma.  

Pra degustar de joelhos

Você já sentiu saudades de alguém que não conheceu? Você resgata memórias de delícias não vividas quando uma pessoa, de repente, se dá a conhecer? 

Maria Antonia poderia ter sido minha melhor amiga. Vejo-me com ela ainda criança de pés descalços, cabelos ruivos e vestidinhos leves flutuando em redemoinho, espichando os olhos para dentro de troncos de árvores, cavucando buraquinhos de tijolos que esconderiam segredos guardados só para nós. Com ela deveria ter participado da ventura de  inverter a lógica dos adultos em experiências no laboratório de ofícios perguntantes.   

Dá uma vontade louca de tê-la acompanhado milimetricamente vida afora. Ela tem uma capacidade peculiar de amalgamar tons dissonantes, fazer rir de verdades insolúveis, deitar o olhar sobre coisas não ditas e inauditas; de mostrar a engenharia oculta no avesso, na estrutura silenciosa do despertar para verdades sem tamanho. É a artífice semeadora do protagonismo dos pormenores. Das viagens Geograficamente escaláveis, de pé no chão e mochila ou sobre rodas de ar ou água e almofadas de veludo, até os muitos perdidos se encontram para contar histórias deliciosas.  Tanto quanto o perfume que se faz sentir daqueles sabores da cozinha materna, de forno e mesa primordiais. 

As reflexões profundas dessa autora trazem à superfície a memória negada dos dias recheados de curiosidades e belezas fugidias desse cotidiano de viver nosso, que por se pretender eterno rabisca em cadernos alheios simulacros do desistir. 

Beleza é a palavra-chave do texto. Curiosidade a chave-mestra de um macrocosmo desdobrado nos mínimos plurais.  Singular e madura reflexão em que tudo importa, tudo se conecta. A cada assunto se soma um ponto no viver que não se cansa de nos surpreender. É uma iguaria preciosa, de se comer rezando.

Hilda Gullar -  escritora 

Copywriting e redação de título e orelhas de livro - mais design de capa

 

A produção editorial do livro No cárcere com o corona: memórias etílicas, idílicas ou nem tanto   envolveu, inicialmente, a criação do  título,  a redação do texto copywriting  para divulgação do projeto da coletânea a autores. Concluida a adesão dos participantes na obra e entregue a maioria dos textos, iniciei a leitura cuidadosa desse material enviado pelos autores.  Esse passo é importantísso para o desenvolvimento  do processo criativo do design de capa e da redação das orelhas.  A capa precisa refletir o conteúdo, estar alinhada ao tema, instigar, encantar.  Junto com o título, faz uma promessa ao leitor.  É o start da venda.  O texto das orelhas deve completar a persuasão. Podemos dizer que essas são, resumidamente, as etapas do processo de produção editorial de um livro.


Texto copywriting para divulgação da coletânea a autores

Tempos de querência. Quantas. Menos de morrer.  Tempos de carência. Tamanhas. Maiores e fundadas a cada avanço do ponteiro. 

Quem esperava por uma desfaçatez dessas? Onipresente dentro ou fora das nossas paredes, o corona não deu trégua.  Nos obrigou a repensar e ressignificar um monte de coisas, a adotar novos hábitos, a reexistir. O tempo todo. 

Sozinhos como nunca antes neste país, sob mandos e desmandos, apartados dos outros desejados ou apertados entre aparentados. Perdidos num tempo que nos deu tempo demais para pensar e sentir, as bolas nos obrigou a dar-lhes trato.  

Quanta coisa passa pela minha, pela nossa, pela sua cabeça.  Ponha no papel. Valem reflexões, relatos sobre coisas e atitudes estranhas que aconteceram, dentro ou fora do seu quadrado, contação de casos que não aconteceram, análises, críticas, amaldiçoamentos e “não falei”? 

Falou sim senhor.  Só falta escrever, para entrar na história. 


Texto para orelhas, por Hilda Gullar (heterônimo)

Pra não dizer que não falei dos gafanhotos 

Oh, coroa, se você fosse de flores adornantes da nossa birrenta aventura do viver!  Mas não, vem vestida de breu vampirizar nossos quereres e aligeirar nossa pressuposta paz.  De que recôncavos sepultados pela história você ressurgiu? 

Não bastava sua face medonha, se faz acompanhar de cavaleiros indulgentes com a contemporaneidade e  coloca abaixo a ilusória impermeabilidade dos nossos dias. Mistura em covas rasas ossos do descaso do eu com todo e qualquer outro e nos mostra a fundura de nossos umbigos. Inseriu-se nos meios que nos levariam a lugar diverso da desesperança.

Céu e terra estão cobertos com a praga que carrega outras 10:  a arrogância ditatorial e as fuças dos filhos em série, o sangue dos pobres,  a invasão dos novos fariseus, os fétidos rabos das raposas políticas, a chuva de fake news, as trevas dos dogmas, a liberdade emparedada, a alienação do gado, a transigência dos poderes  constituídos, a tirania da mídia, os  cientistas vendidos, a morte dos médicos, a virtualização do real, as infindáveis lives, os olhos presos nas janelas, a solidão insustentável dos  autossuficientes, o adeus dos abraços.

É, passou de dez.  Mas nada passou em branco para os autores desta coletânea. Cada um aumenta um ponto, de vista e ou de crochetaria. Diretamente de seus quadrados tecem redes de descobertas, de criatividade redentora, de receitas para sobreviver apesar de e enquanto for possível escapar do vírus de tentáculos grudentos. Vale tudo para não ser sugado para a teia invisível da armadilha final.

 Ado, ado, de seu quadrado isolado cada qual ventila dias e noites com novos hábitos, experimentos, ideias. Compartilham em seus escritos o além de si mesmos. Plantam a colheita do depois, que talvez virá, com que cor e sabor não é sabido. Cavucam seus meandros, sua sapiência antes reservada, se abrem, se expõem, como nunca antes nessa vida de laço, nó e gibeira, onde acomodam os ganhos da travessia ensimesmada. Tudo tem uma importância colossal.

Parece que não perderam nada pelo caminho. Talvez tenham se esquecido dos gafanhotos.

                                       

Hilda Gullar - Escritora     




quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Surge o heterônimo Hilda Gullar nas orelhas do livro Bendito fruto

 


Muitos escritores usam heterônimos. O mais famoso e, para mim, o mais ilustre, é Fernando Pessoa, com seus Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Bernardo Soares que tem nos encantado em obras ímpares.

Sem a pretensão de imitar o mestre, Hilda Gullar, um dos meus heterônimos desde quando não havia internet, passou a se exibir nas orelhas na coletânea Bendito Fruto do Nosso Ventre: Dores e delícias do maternar, da Editora Ponto Z. 

Por quê? Acho que escrever sobre escritos de um autor exige um cuidado na apreciação bem diferente daquele que dedicamos aos nossos próprios textos.  Outra história, outra persona, livre das nossas idiossincrasias. O texto crítico deve ser absorvido em profundade, de olhos limpos.

Hilda Gullar tomou enorme gosto pela coisa e não parou até hoje. Está gestando um livro sobre esse fazer literário de características bem marcadas. 

Hilda, de Hilda Hilst, e Gullar, de Ferreira Gullar, meus guias de cabeça e coração.



Texto das orelhas


O amor além da tribo

Às vezes maternar não flui como sonhávamos e corremos o rio em desabalada carreira e com pouco fôlego, ou nos enroscamos nos galhos secos das beiradas. É certo que nos assustamos com a lonjura das margens, com a velocidade da descida e com os braços repentina-mente curtos. Dos autores desta coletânea, a maioria conta histórias e poetiza realidades de mães e pais que beberam dessas mesmas águas. Foram aprendendo conforme o desafio que o momento impunha, no improviso, entre risos e lágrimas. Seguiram se agarrando em qualquer raiz ou coisa que servisse como boia, antes que conseguissem construir o porto seguro da experiência e propiciar a seus rebentos toda a carga de amor e cuidados devidos, conforme os valores introjetados pela nossa cultura. Fomos moldados para colocar o amor maternal acima de todos os amores terrenos e, se assim não for, independentemente das circunstâncias, a marginalização e o expurgo serão as faces do veredicto da civilização contemporânea. Dos filhos também são esperadas doses cavalares de amor, zelo e gratidão, mais, pelo menos e sobretudo enquanto não se tornam pais. 

Não foi sempre assim. A história e a antropologia nos contam da proliferação de filhos-moeda, que vieram ao seio familiar com a 

função de garantir braços fortes para a lavoura, muitas vezes destinatários de tratamento animalesco. Outras atrocidades, assim julgadas por nós, eram cometidas por tribos indígenas arcaicas, como a dos índios Tapirapé, cujas mulheres matavam todos os seus filhos após o terceiro, devido a crenças  religiosas. 

O infanticídio, fato comum entre diversos grupos humanos, põe a sete palmos o aclamado instinto materno e revela a complexidade e o poder da endoculturação. Também o amor filial é desnaturado em estudos que apontam outros rituais de povos antigos, como os esquimós, que conduziam os seus velhos pais às planícies geladas para serem devorados pelos ursos. 

Afortunadamente, no estágio do processo civilizatório em que nos encontramos, barbáries dessa pecha são desvios da natureza das coisas e pessoas, que uma cultura de leis e ordens escritas cuida para que sejam mínimos. Maternal ou filial, o amor que ronda as vidas  das pessoas e dos personagens é espontâneo e desmedido, mesmo no caso de um filho lobisomem e sua devotada mãe, que lhe faz companhia ao devorar o fígado ainda quente de sua vítima. Horripilante ou belíssimo, diga você depois de ler o conto que está aqui, nesta coletânea. Surpreenda-se com os outros tantos.


Hilda Gullar

Escritora