A produção editorial do livro No cárcere com o corona: memórias etílicas, idílicas ou nem tanto envolveu, inicialmente, a criação do título, a redação do texto copywriting para divulgação do projeto da coletânea a autores. Concluida a adesão dos participantes na obra e entregue a maioria dos textos, iniciei a leitura cuidadosa desse material enviado pelos autores. Esse passo é importantísso para o desenvolvimento do processo criativo do design de capa e da redação das orelhas. A capa precisa refletir o conteúdo, estar alinhada ao tema, instigar, encantar. Junto com o título, faz uma promessa ao leitor. É o start da venda. O texto das orelhas deve completar a persuasão. Podemos dizer que essas são, resumidamente, as etapas do processo de produção editorial de um livro.
Texto copywriting para divulgação da coletânea a autores
Tempos de
querência. Quantas. Menos de morrer. Tempos de carência. Tamanhas. Maiores e
fundadas a cada avanço do ponteiro.
Quem esperava
por uma desfaçatez dessas? Onipresente dentro ou fora das nossas paredes, o
corona não deu trégua. Nos obrigou a
repensar e ressignificar um monte de coisas, a adotar novos
hábitos, a reexistir. O tempo todo.
Sozinhos como nunca antes neste país, sob
mandos e desmandos, apartados dos outros desejados ou apertados entre
aparentados. Perdidos num tempo que nos deu tempo demais para pensar e sentir,
as bolas nos obrigou a dar-lhes trato.
Quanta coisa passa pela minha, pela nossa, pela sua cabeça. Ponha no papel. Valem reflexões, relatos sobre
coisas e atitudes estranhas que aconteceram, dentro ou fora do seu quadrado,
contação de casos que não aconteceram, análises, críticas, amaldiçoamentos e
“não falei”?
Falou sim senhor. Só falta
escrever, para entrar na história.
Texto para orelhas, por Hilda Gullar (heterônimo)
Pra não dizer
que não falei dos gafanhotos
Oh, coroa, se
você fosse de flores adornantes da nossa birrenta aventura do viver! Mas não, vem vestida de breu vampirizar
nossos quereres e aligeirar nossa pressuposta paz. De que recôncavos sepultados pela história
você ressurgiu?
Não bastava sua
face medonha, se faz acompanhar de cavaleiros indulgentes com a
contemporaneidade e coloca abaixo a
ilusória impermeabilidade dos nossos dias. Mistura em covas rasas ossos do
descaso do eu com todo e qualquer outro e nos mostra a fundura de nossos
umbigos. Inseriu-se nos meios que nos levariam a lugar diverso da desesperança.
Céu e terra
estão cobertos com a praga que carrega outras 10: a arrogância ditatorial e as fuças dos filhos
em série, o sangue dos pobres, a invasão
dos novos fariseus, os fétidos rabos das raposas políticas, a chuva de fake
news, as trevas dos dogmas, a liberdade emparedada, a alienação do gado, a
transigência dos poderes constituídos, a
tirania da mídia, os cientistas
vendidos, a morte dos médicos, a virtualização do real, as infindáveis lives,
os olhos presos nas janelas, a solidão insustentável dos autossuficientes, o adeus dos abraços.
É, passou de
dez. Mas nada passou em branco para os
autores desta coletânea. Cada um aumenta um ponto, de vista e ou de
crochetaria. Diretamente de seus quadrados tecem redes de descobertas, de
criatividade redentora, de receitas para sobreviver apesar de e enquanto for
possível escapar do vírus de tentáculos grudentos. Vale tudo para não ser
sugado para a teia invisível da armadilha final.
Ado, ado, de
seu quadrado isolado cada qual ventila dias e noites com novos hábitos, experimentos,
ideias. Compartilham em seus escritos o além de si mesmos. Plantam a colheita
do depois, que talvez virá, com que cor e sabor não é sabido. Cavucam seus
meandros, sua sapiência antes reservada, se abrem, se expõem, como nunca antes
nessa vida de laço, nó e gibeira, onde acomodam os ganhos da travessia
ensimesmada. Tudo tem uma importância colossal.
Parece que não
perderam nada pelo caminho. Talvez tenham se esquecido dos gafanhotos.
Hilda Gullar - Escritora