Das tripas,
libertação
O avesso das coisas se apresenta mal feito, mal
acabado, terminado às pressas. Dele não esperamos outra situação, o que vemos
não nos surpreende. Não demoramos nosso
olhar sobre ele. Buscamos a rutilância
do anverso, da superfície colorida, lisa e simétrica das perfeições pactuadas.
Aos meios orgânicos e aos imateriais se dedicam certos tipos de pessoas que nos
parecem de outro mundo, com traços de semideuses, tais como médicos,
religiosos, psicólogos, filósofos. O
interior dos seres nos assusta, como tudo que desconhecemos mas reconhecemos os
impactos que transpassam a fina fronteira e transmutam o conforto da camada
bidimensional.
Há situações que nos obrigam a mergulhar no
emaranhado das entranhas estranhas aos pares harmônicos que a face de contato dos
sentidos nos apresenta. Por dentro percebemos perturbadora assimetria no
isolamento de coisas e não-coisas que só farão sentido quando aprendermos a
encontrar conexões naturais. Difícil, como amar. Foi tanto o amor ao amor, que Marcia
negligenciou o amor-próprio, a âncora da autoestima necessária para estar no
mundo para si e para os outros.
Mais fácil é engolir pílulas estáticas com seu
design inofensivo. Mas a autora é de uma
generosidade sem tamanho ao desnovelar a jornada de autoconhecimento que a
levou a um estágio de liberdade há muito sufocada nos meandros de seu ser.
Dessa sua viagem de resgate e enlevo ela nos deixa visíveis as pontas que
assinalam os caminhos. Uma doação que só se desprende naturalmente de pessoas
que conseguem flutuar sob o amparo de leves asas.
No seu mergulho, ela fez das tripas libertação.
Hilda Gullar, escritora
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