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domingo, 13 de março de 2022

Redação - texto das orelhas do livro de Márcia Zevoli

 



Das tripas, libertação

O avesso das coisas se apresenta mal feito, mal acabado, terminado às pressas. Dele não esperamos outra situação, o que vemos não nos surpreende.  Não demoramos nosso olhar sobre ele.  Buscamos a rutilância do anverso, da superfície colorida, lisa e simétrica das perfeições pactuadas. Aos meios orgânicos e aos imateriais se dedicam certos tipos de pessoas que nos parecem de outro mundo, com traços de semideuses, tais como médicos, religiosos, psicólogos, filósofos.  O interior dos seres nos assusta, como tudo que desconhecemos mas reconhecemos os impactos que transpassam a fina fronteira e transmutam o conforto da camada bidimensional.

Há situações que nos obrigam a mergulhar no emaranhado das entranhas estranhas aos pares harmônicos que a face de contato dos sentidos nos apresenta. Por dentro percebemos perturbadora assimetria no isolamento de coisas e não-coisas que só farão sentido quando aprendermos a encontrar conexões naturais. Difícil, como amar.  Foi tanto o amor ao amor, que Marcia negligenciou o amor-próprio, a âncora da autoestima necessária para estar no mundo para si e para os outros.

Mais fácil é engolir pílulas estáticas com seu design inofensivo.  Mas a autora é de uma generosidade sem tamanho ao desnovelar a jornada de autoconhecimento que a levou a um estágio de liberdade há muito sufocada nos meandros de seu ser. Dessa sua viagem de resgate e enlevo ela nos deixa visíveis as pontas que assinalam os caminhos. Uma doação que só se desprende naturalmente de pessoas

que conseguem flutuar sob o amparo de leves asas. No seu mergulho, ela fez das tripas libertação.


Hilda Gullar, escritora

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