Pra degustar de joelhos
Você já sentiu saudades de alguém que não conheceu? Você resgata memórias de delícias não vividas quando uma pessoa, de repente, se dá a conhecer?
Maria Antonia poderia ter sido minha melhor amiga. Vejo-me com ela ainda criança de pés descalços, cabelos ruivos e vestidinhos leves flutuando em redemoinho, espichando os olhos para dentro de troncos de árvores, cavucando buraquinhos de tijolos que esconderiam segredos guardados só para nós. Com ela deveria ter participado da ventura de inverter a lógica dos adultos em experiências no laboratório de ofícios perguntantes.
Dá uma vontade louca de tê-la acompanhado milimetricamente vida afora. Ela tem uma capacidade peculiar de amalgamar tons dissonantes, fazer rir de verdades insolúveis, deitar o olhar sobre coisas não ditas e inauditas; de mostrar a engenharia oculta no avesso, na estrutura silenciosa do despertar para verdades sem tamanho. É a artífice semeadora do protagonismo dos pormenores. Das viagens Geograficamente escaláveis, de pé no chão e mochila ou sobre rodas de ar ou água e almofadas de veludo, até os muitos perdidos se encontram para contar histórias deliciosas. Tanto quanto o perfume que se faz sentir daqueles sabores da cozinha materna, de forno e mesa primordiais.
As reflexões profundas dessa autora trazem à superfície a memória negada dos dias recheados de curiosidades e belezas fugidias desse cotidiano de viver nosso, que por se pretender eterno rabisca em cadernos alheios simulacros do desistir.
Beleza é a palavra-chave do texto. Curiosidade a chave-mestra de um macrocosmo desdobrado nos mínimos plurais. Singular e madura reflexão em que tudo importa, tudo se conecta. A cada assunto se soma um ponto no viver que não se cansa de nos surpreender. É uma iguaria preciosa, de se comer rezando.
Hilda Gullar - escritora
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