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segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Capa, orelhas, título e copywriting para o "T21: no relicário com dragões"

 


Texto para as orelhas

Da barriga, coração

 Ah, esse mundo de janelas simetricamente arranjadas, sobrepostas de maneira que não nos permite ver além do reflexo desbotado de vidas passadiças e rastros de fatos mal contados! É coerente, didático e indolor nos agarrarmos aos pactos prévios para nos sentirmos confortáveis dentro da roupagem cinza dos preconceitos.  Apertadores de botões em série e ouvintes condicionados ao sonoro bip do despertar para mais um dia normal, pasteurizamos a melodia dos ventos e engaiolamos pássaros em nossas gargantas. Mas basta esquecermos um dia da pílula alucinógena, que as asas põem abaixo a condição cativa e espeta os meandros da glote. O corte transversal é feito em profundidade entre o sabido e o inaudito, para fazer a realidade que não mora longe nos visitar com a fatura vencida da cama macia em que dormitamos. É mais ou menos esse o efeito dos relatos desse livro de poética galopante, dispensada de rimas e encontros cuidadosos de imagens e letras.  Levamos um susto.  O que sei eu do amor?

O amor está arraigado em nossas expectativas de felicidade como uma condição inerente. É amalgamado à dependência da aceitação alheia dos recursos que temos como humanos. Algumas idiossincrasias são toleráveis, se estivermos situados num patamar em que o ar rarefeito passa a ser admirado e cobiçado. Alguns recebem alegres pechas de artista, criativo, doidinho, especial. É diametralmente oposto à premiação social com o bilhete da felicidade quando a evidência da síndrome de Down se escancara nos gestos comedidos e olhares oblíquos das pessoas que têm o primeiro contato com o recém-nascido. Não tem como disfarçar. Não tem como dourar a pílula ofertada pela esfinge. Como sugere o título do livro, os pais forçosamente entram numa loja de cristais finos forjados com fogo de dragão. 

O medo inicial dos pais, ao saberem da condição do filho que acabaram de trazer ao mundo, deve-se à ciência de toda a carga de sentimentos e julgamentos da qual serão alvo.  É muito difícil para todos nós, humanos pais ou não, aceitar um outro deficiente. É uma sentença. Se é doente, pode ter cura. Deficiência T21, não. Aí, vemos aqui, surge a força draconiana do amor e inicia-se um vôo vertiginoso e íngreme ao céu e inferno das limitações. Esses pais se transformam em seres super-humanos. Não se pode dizer se o amor desmedido dos pais molda a delicadeza, a maneira afetuosa e doce dos Down, observável na maioria dos casos. Eles são extremamente amorosos porque muito amados, ou muito amados porque amorosos?

Não, não se sabe ainda por que a síndrome acontece. O único remédio é o amor, brotado de uma fonte generosa, mas só visível e acessada por pessoas capazes de produzir felicidade fora das convenções. O exercício ininterrupto do doar-se, do amar sem descanso, aniquila fraquezas. E assim esses pais são jorges abrigam-se seguros na barriga do dragão.

Hilda Gullar, escritora


Copywriting para apresentação do projeto a autores

Delicadeza e força dos afetos no mundo Down  

Do “Por que comigo” ao “Por que não comigo?” há todo um rosário de lágrimas desfiado pelo inconformismo, pela rejeição e vitimização. É doloroso para os pais receberem a notícia de que geraram um filho com síndrome de Down. Na maioria das vezes não estão preparados para revirarem suas vidas. Há o normal e sacrossanto medo do desconhecido. O que irão enfrentar com um filho Down? O preconceito, filho dos equívocos e da obsolescência de informações, não os deixa ver que terão um filho, para amar e cuidar, que é um indivíduo e não uma réplica de um ser seriado. O filho terá suas próprias potencialidades, gostos, talentos, personalidade e temperamento. O bebê deverá ser visto como o filho. A síndrome de Down é apenas uma parte de quem ele é.

A criança será fruto do meio que lhes propiciarem, terá sua personalidade, seus diferenciais, seus talentos, potenciais, temperamento, sentimentos, sonhos e tudo mais que a tornará uma pessoa única. A T-21 é parte dela, e não ela.  Os pais que abraçam o desafio embarcarão num ciclone de aprendizagem e aplicação dos saberes sem intervalo.  Conhecerão mais profundamente as pessoas. Estarão capacitados para distinguir com perfeição um olhar de desdém de um de compaixão, de um sorriso complacente de um convite para uma relação sem barreiras. Terão que se convencer de que não são culpados, que não fizeram nada errado. Com o tempo, desenvolverão a capacidade de demonstrar que estão felizes com seu filho, enfim e cada vez mais.

Resumida assim essa vivência, parece que o final feliz é rápido e não falha. Nem todos saem dessas fases sem grandes traumas. Cada um é cada um, inclusive indivíduos com T-21, que não é uma doença e, portanto, não tem cura. É uma longa jornada em que o aprendizado constante faz dos pais, familiares, professores e amigos pessoas que desenvolvem capacidades diferenciadas, necessárias para conviver, cuidar e manter o amor acima de tudo.

Queremos ouvir suas histórias, seus tropeços, seus acertos, sua visão desse mundo moldado por um amor exigente.  Suas descobertas farão um bem enorme para as pessoas que podem um dia se surpreenderem nesse mundo tão especial e desconhecido na sua essência. Porque veem-se os movimentos incessantes da luta, mas o que vai dentro dos corações e mentes dos pais, da sua batalha para vencer a luta com seus dragões internos, não transparece. Supomos que os dentes são muitos e o sangue farto. Mas as essências das flores do caminho são daquelas de se guardar nos mais raros frascos.


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