Turbulências e
ancoragens
Mergulhar fundo ou nadar na superfície? Se imersos totalmente, o mundo estranho nos abraça com sua quietude, o perigo se dilui com o tempo dormente e podemos esquecer que não há onde buscar fôlego extra. Flutuando acima da densa profundidade nos debatemos entre os rasgos de luz da superfície a cada esforço para não nos perdemos numa imensidão assustadora, porque desconhecida. E pode faltar ar.
Respire a plenos
pulmões porque o mergulho é longo e profundo. Os poemas de Roselis nos conduzem
às entranhas das suas memórias de um mundo perfeito, em que prevalecem o bom, o
justo, o fraterno, o amor paterno-filial abundante. Na imersão há um
distanciamento das dores como forma de proteção, mas as figuras que se mostram
são fortes o bastante para permitirem que na nossa intrusão às suas
reminiscências vislumbremos quadros instantâneos fora do roteiro escrito pela
alma carregada de amor ao amor.
O leitor viajante
elevado à flor d´ água pode então admirar a paisagem pelas janelas abertas pela
capitã transparente. Enlevado pela visita presencial dos verdes aromas e azuis
ares atravessa a vidraça e percebe que já se faz acompanhar de esferas, ciclos,
ressonâncias do eu justo e ordenado da autora projetados agora na sua própria
história.
Ela balança os
fios dourados de sua sensibilidade de ver e provar as fronteiras entre o mundo
herdado do amor familiar e o caos que acena do outro lado da cerca. O enigma do
desconhecido, do além de nós, do estrangeiro no qual executamos sem opção o
vaticínio da vida, que nos assombra com sua desordem, é visitado pela autora à
sua maneira heroica e estoica de tratar de feridas abertas. Mesmo diante do
derramar derradeiro de magmas seu figurar poético cutuca paradoxos, ora com
balsâmica sensibilidade, ora instigando a fera que ronda. Com ironia fina
desafia dogmas e dilacera corações duros de bestas seculares.
Estamos todos nos
versos desse poetizar engajado com nossas verdades. Estamos todos emparedados
pelas ambiguidades que nos confundem e pela entropia natural que puxa a corda
para outro lado. Como na inexorável
chaga que abre o amor não inocente, a paixão de olhos abertos, a mesclagem de
corpos e almas alertas, na entrega sem senões, que antecipa nossa visita à cratera
dantes navegada. As perdas, as penosas e incontornáveis perdas. Os ocos frios
deixados pelas dores escaldantes que nos sustentarão como pneumáticos em nova
queda das escarpas das montanhas de cumes invisíveis que erguemos ao longo dos
voos de nossa resistência.
Talvez sejam
ensaios para a liberdade. De repente surgem asas durante uma das quedas e
conseguimos uma visão panorâmica do distanciamento entre os sustentáculos da
dicotomia, talvez um vácuo esteja ali, um portal, que num instante a mais como
brinde nos permita a liberdade de ser. A autora encontrou um remanso em meio à
turbulência. Magnânima, ela nos indica ancoragens distantes do desassossego das
margens.
Hilda Gullar, escritora