Aberturas de capítulos
ABRAÇOS, ENLAÇOS
Vamos vivendo e alguns de nós, menos enfim e mais já no
começo da jornada, somos iluminados com a sabedoria fundamental para viver a
vida com largueza de horizontes, encontrar oportunidades que nos beijem a face,
campos e abraços que se nos abram fraternos. Abraços, eis a questão. Batalhas a
braços que se fortalecem nas lutas sem trégua pela sub e sobrevivência, a
braços dados e fundidos a outros tantos no entrelaço justo e amalgamado,
indistinto na força, tamanho ou cor. Chita é um menino-jovem-homem feito que
não poupou braços e abraços
Começamos a ler Álvaro Chita e logo nos vemos assaltados com
a suspeita de que testemunharemos uma história triste de alguém que viveu a infância
numa Europa devassada pela Segunda Guerra. Então nos surpreendemos com um
relato vívido e cheio de atitudes tão absolutamente humanas, daquele teor do
humano que gostamos de acreditar que é inerente ao ser que fará por merecer a
condição que lhe foi dada. Nosso
autor-personagem percebeu e incorporou o que lhe foi ofertado, e saiu pelo
mundo espalhando sementes. Ele nos conta, com uma tenacidade e tranquilidade que
vão se desenhando como naturais conforme avançamos sobre a linha de vida que
ele traçou, e nos mostra. Sem qualquer pretensão de nos ensinar alguma coisa,
ele vai puxando o fio da construção dos saberes de uma vida inteira, desde os
tempos de menino, em um Portugal em que as famílias se ajudavam mutuamente e
assim faziam resistência ao poderio instituído pela guerra, que lhes confiscava
cada grão produzido além do necessário para a alimentação mínima. A
generosidade da partilha foi aprendida ali.
A certo ponto da leitura podemos ser tomados por uma dor nostálgica provocada pela suspeita de que não existem mais pessoas como o “seo” Álvaro. Depois passa, ou não, mas seguimos em encantamento crescente. Conforme a narrativa segue, Chita vai contando causos e mais causos do seu intrépido e necessário giro por três continentes. Levaram-no em frente o braço sempre à disposição na busca incessante por seu lugar no mundo, o conselho norteador da mãe sussurrando em seus ouvidos nos sonhos e na vigília, o amor que se fez eterno desde a infância cravado no coração, o compromisso com os traçados de vida reta recebidos dos pais, firmado e renovado a cada passo, e uma esperança tão grande que parecia beirar a inocência. Ele se doou de boa fé e corpo inteiro no trabalho. Que capacidade de adaptação, quanta resiliência! Ele não diz, mas percebe-se que sofreu alguma exploração. Mas saiu, deu a volta por cima, porque nunca desistiu, foi ajudado porque muito amado, muito amado porque não se negou nunca a ajudar alguém, conhecesse ou não. Um respeito enorme por todas pessoas manifesto na solidariedade irrestrita. Como se em tempos de guerra, ele fez o que e como precisava ser feito, acenando para a paz.
Hilda Gullar, escritora
(pseudônimo usado por mim em alguns textos)